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Comunidade chinesa em Portugal: “Não abandonamos, esperamos por tempos melhores”

Comunidade chinesa em Portugal: “Não abandonamos, esperamos por tempos melhores”
Publicado em 3 Fevereiro, 2022
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O nome não engana, Centro POAO, em português e em mandarim. É uma mega-área comercial no Porto Alto (Samora Correia) e a sua entrada mais parece a de uma autoestrada. Lá dentro é um mundo novo, não pela nacionalidade dos comerciantes, chineses, mas pela quantidade, diversidade e dimensão das lojas, algumas com mais de 800 metros quadrados. Armazéns de comércio a grosso implantados em 80 hectares de terreno, 107 espaços abertos, serão 120 no total. Faz sete anos em junho que abriu, a pandemia atrasou o processo de instalação, mas os proprietários não se queixam do investimento.

O megacentro de revenda é um indicador de como é que a comunidade chinesa tem vivido estes dois últimos anos da pandemia. Vendem para o comércio a retalho e, se este regredir, são os primeiros a sentir na faturação. E, ao contrário dos comerciantes em geral, estes dizem que vendem bem. Admitem as dificuldades, nomeadamente com a importação de bens – processo mais demorado e caro -, mas nada que os desanime. Em vez de fazer compras na China, fazem negócio mais vezes com os fornecedores de Espanha, Itália, França e, até, do Reino Unido.

“A pandemia afetou mais as pequenas lojas, as que estão dentro das cidades, espaços com 200/300 metros quadrados, no máximo, que vendem roupa e quinquilharia, está tudo um pouco adormecido. Os restaurantes também sofreram bastante com as restrições. Agora, as grandes lojas estão a trabalhar muito bem”, diz Y Ping Chow, presidente da Liga dos Chineses em Portugal. Acrescenta que já se vê a retoma.

No Centro POAO vende-se de tudo o que se possa imaginar, uma panóplia de produtos que vão muito além da oferta habitual do Martim Moniz (Lisboa). Por exemplo, candeeiros, painéis solares e mobiliário para cabeleireiro. É o maior do género na região de Lisboa, só suplantado por uma área idêntica em Vila do Conde, concelho a norte do país onde a comunidade chinesa tem grande implantação.

O proprietário da JNC Janice, com espaço em Vila do Conde há oito anos, não quis deixar de marcar presença a sul. Tem uma megaloja com 800 metros quadrados que abriu há três meses. A funcionária Yang Rong, 21 anos, traduz as palavras de Ye Xiao Chun, mãe do dono. “Vendemos para profissionais. O negócio está a correr bem e tem vindo a melhorar, mas ainda não se compara a Vila do Conde, onde estamos há mais anos e temos muitos clientes. Aqui, estamos a começar, há muita gente que ainda não nos conhece, mas não está mal para os primeiros meses”. Chun tem 55 anos e há “mais de 10” que vive em Portugal.

Os carros de grande cilindrada à porta dos estabelecimentos confirmam o sucesso do negócio. Abrem ao público às 9h30 e fecham às 19h30, sem paragens para almoço, que todos trazem de casa em caixas de plástico, sejam patrões ou funcionários. Encerra aos domingos, uma novidade no comércio chinês.

Armazéns com donos chineses, cada espaço sempre com alguém que fala a língua portuguesa, sejam portugueses, brasileiros, ucranianos ou chineses de segunda geração. Entre os clientes, os chineses estão em maioria, mas também há muitos portugueses. Os comerciantes são chineses, embora Jin Yi, um dos sócios do centro, informe que também há indianos, portugueses e turcos. Não se notam.

Yang Feng Jian, João para os portugueses, garante ter a maior loja do centro, quase mil metros quadrados, o espaço de “10 lojas numa”. É a Millet Moda, figurino italiano, desde o prático aos vestidos de cerimónia. “Compramos quase tudo em Itália, também em Espanha, vamos pouco à China, e agora ainda menos. A pandemia não afetou o negócio. Temos uma grande variedade de roupa para mulher, as pessoas encontram aqui tudo o que precisam. Só não vendemos pijamas e roupa interior”, explica Yang. E começou a vender online, uma boa aposta.

São três funcionários, incluindo Yang. As vendas abrandaram este mês, mas sublinha que isso se deve à altura do ano, não às restrições derivadas da pandemia. “Janeiro é sempre fraco, as pessoas fizeram as compras para o Natal, está a acabar o inverno e o verão não começou. Os nossos clientes querem novidade, estamos numa fase de transição.” Yang tem 45 anos, chegou há 22 a Portugal. Começou por fazer tudo o que faz um imigrante chinês no início – trabalhar em restaurantes, lojas, minimercados -, até ter um negócio próprio. Abriu o armazém no centro há cinco anos. Mora em Samora Correia.

O Novo Ano Chinês é algo que está cada vez mais distante na sua família, até porque terça-feira todos estão a trabalhar. “Festejamos o Natal e o Ano Novo como os portugueses, a nossa vida está aqui. E fechamos no Natal e Ano Novo.”

Choi Man Hin preside à Associação de Comerciantes e Industriais Luso-Chineses. Sente que o negócio está mais lento, “afeta todo o mundo”, mas argumenta que também depende da “estratégia, do tipo de negócio, do sítio e da qualidade”. Por exemplo, “os restaurantes de qualidade continuam prósperos”. São as lojas de roupa, artigos domésticos, quinquilharias, etc., que têm tido mais problemas. Um deles tem a ver com contentores que mandam vir da China e que estão a praticar preços mais elevados. Quem vende fruta e outros bens alimentares também continua a faturar bem.

“As lojas chinesas tinham uma grande atração por praticarem preços muito mais baixos, agora isso não é tão fácil, estas lojas tornaram-se menos competitivas”, defende o empresário. Reformou-se do Casino Estoril, onde se mantém como consultor. É um dos sócios do grupo POAO, que administra a empresa POAO II, investimentos imobiliários, proprietária do centro comercial.

Jin Yi é outro dos cinco sócios do empreendimento, tem um espaço dedicado à ganga, a Ganga Inga. Conta que, antes do aparecimento do SARS-CoV-2, um contentor vindo da China demorava um mês, o que passou a demorar três. E se antes pagava quatro a cinco mil euros por um contentor, agora paga 20 mil. Mas esta situação, sublinha, afeta todos os comerciantes. “Temos que vender mais caro, mas os outros também. Se as coisas só aumentassem para nós, era mais preocupante, mas é tudo caro em todo o lado, não só em Portugal, como em Espanha e nos outros países.” Além da China, abastece-se em França, Espanha, Itália e também em Portugal.

Chegou em 1992, tinha 32 anos, aqui nasceram os dois filhos, que conciliaram a escola chinesa com a portuguesa. A rapariga, de 26, tirou Engenharia Biológica e o rapaz, de 22, Matemática Aplicada. Têm empregos nas suas áreas.

Jin Yi tem outra loja no Martim Moniz, em Lisboa, cidade onde continua a viver. A pandemia não o afetou. “Como somos revendedores, contactamos mais com os grossistas, que não deixaram de comprar, temos mantido o nível de vendas. Além disso, começámos a vender pela internet.”

Sucesso confirmado por Célia Martins, 51 anos, a empregada, há 14 a trabalhar com chineses. “É o meu mundo, nasci e fui criada no negócio, gosto de trabalhar aqui, vendemos muito bem, não sentimos diferença”, conta. Gangas de todas as cores, formatos e feitos, um par de calças por 8,50 euros. A mais cara custa 12,50 euros. “E um modelo mais tcham”, diz Célia.

Não há registo de debandada de imigrantes chineses devido à pandemia. Até porque as viagens para a China estão limitadas, o voo Lisboa-Pequim só será reativado em fevereiro, o período de quarentena no país é cerca de um mês (14+7+7), o que também depende da cidade de destino. Desde 2019 que estes imigrantes não visitam o país de origem e os poucos que terão regressado esperam voltar aos espaços comerciais que exploram em Portugal, garantem os responsáveis das associações comerciais.

“Os chineses estão habituados a este tipo de problemas, a catástrofes, pensam sempre que há de passar. As pessoas não abandonam, esperam por tempos melhores”, assegura Choi Man Hin.

O DN fez várias perguntas à Embaixada da China em Portugal sobre a situação da comunidade chinesa, que respondeu com uma série de intenções e de medidas.

A embaixada “tem acompanhado o trabalho e a vida dos chineses em Portugal, encorajando-os a ajustar as ideias na realização de negócios e a reforçar a coordenação e cooperação mútuas, bem como a efetuar atividades comerciais através de plataformas online e serviços de entrega […]. Os chineses demonstram excelente qualidade de trabalho árduo e de bravura, superando as dificuldades e esforçando-se ao máximo para a conquista, transformação e atualização da sua produção e funcionamento, levando em conta as características pós-pandemia”, respondeu Qian Yunlei, diretora de secção consular. Exemplifica que o ano passado vários membros da comunidade foram homenageados pelas autarquias pelo seu contributo económico.

Os primeiros chineses começaram a chegar a Portugal em 1980. Y Ping Chow é dessa altura. A família instalou-se no Porto, começando pela restauração. Mas é na primeira década deste século que os fluxos migratórios provenientes da China se intensificaram e nunca mais pararam.

Os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) indicam a contínua atribuição de autorizações de residência a chineses, e até houve um aumento de 2020 para 2021. De referir que estes processos dão entrada muito tempo antes de serem concluídos, por vezes mais de dois anos. O ano passado alteraram os procedimentos de forma a reduzir as dependências.

Continuam a atribuir as residências por investimento (vistos gold) a chineses, embora em menor número. Estão em maioria, mas já não são mais de metade dos beneficiários desta medida, também por alteração das regras. E desde este mês os imóveis para ter acesso ao visto têm de estar localizados nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores e nos concelhos do interior, deixando Lisboa, Porto e Algarve, que são preferências destes investidores. Os imóveis devem custar, no mínimo, 500 mil euros, 350 mil no caso de reabilitação urbana.

Junfeng Jin, 26 anos, é um exemplo da contínua entrada de chineses no país. Chegou há três anos e o filho, Luís, de 21 meses, já nasceu em Portugal. Acabou por se instalar em Samora Correia, onde tinha familiares. Até há pouco tempo trabalhava na loja da família, do mesmo ramo, acabando por montar um negócio com o marido no centro. Abriram há cinco meses a Led Plus, comércio de candeeiros, lâmpadas e todo o tipo de acessórios, abastecem-se em Madrid. Vende para revenda, mas também para clientes individuais, obviamente com outros preços. Tem uma funcionária portuguesa.

Enquanto trabalha, Junfeng tem um olho no cliente e outro no Luís, que não pára e ainda não foi para a creche. “Tenho de estar muita atenção”, diz a mãe. Quanto ao volume de venda de candeeiros e afins não há reclamações. “Vendemos bem, temos vários tipos de clientes, o que é bom, dá para alargar as vendas.”

Shangru Wang, Lucy para facilitar o nome às outras nacionalidades, nasceu em Portugal. Morava na Ericeira, onde completou o ensino secundário, que acumulou com as aulas na escola chinesa (em Arroios) aos sábados. Esteve depois três anos na China, em Zhejiang, a sua cidade e a da maioria dos imigrantes chineses, para aperfeiçoar o mandarim. Faz muitas vezes de intérprete dos comerciantes mais velhos.

Dirige a loja de família, a May Bijouterias, que abriu em maio de 2021, em plena pandemia. “Temos de continuar”, justifica. A mãe também ali trabalha. Maio é o nome escolhido para o espaço porque foi o mês em que foi comprado e, mais importante, é o de nascimento de Shangru. Faz um balanço positivo deste nova etapa da sua vida. “Não sinto que estaríamos a vender menos se não fosse a covid-19. O que as pessoas fizeram foi passar a vender também online. No meu caso, até são mais as pessoas que encomendam pela internet e depois vêm cá levantar as coisas.”

Todo o tipo de bijutarias e acessórios estão disponíveis para seguirem para pequenas lojas, os colares e os anéis são os artigos mais vendidos. Os clientes são sobretudo portugueses, conta Shangru Wang. “Gosto de trabalhar com os portugueses, nasci cá e consigo comunicar melhor que muitos dos outros conterrâneos.” Tem um irmão mais velho, que ainda nasceu na China mas que já estudou em Portugal. Tirou um mestrado em Gestão e é nessa área que trabalha,

Let”s Go Supermercado vende todo o tipo de alimentos dos países asiáticos, em especial da China e do Japão, também legumes e fruta. Tem cerca de 500 m2, o que corresponderá a cinco lojas. É a medida de referência no centro mas muito poucos comerciantes se ficam pelos 100 m2. “Tenho muitos clientes chineses e também portugueses que vêm comprar produtos para fazer pratos japoneses”, garante Ye Zhouqiao, 35 anos. Chegou há 10 anos a Portugal, onde nasceram os dois filhos: uma menina de 10 anos e um menino de 8. Frequentam o ensino português e a escola chinesa.

Zhouqiao não tem falta de clientes, também não tem dificuldades com as importações, uma vez que não vai diretamente à China. Abastece-se em armazéns em Espanha, Itália e França. Sente, no entanto, que as coisas estão mais caras.

Tem mais um espaço comercial , este de roupa. “Também está a vender bem”, assegura. O supermercado fica à entrada do Centro POAO, ao lado de um restaurante chinês que está para abrir.

O restaurante Xiang, em Telheiras, Lisboa, voltou a ter 16 empregados, como em 2019. A faturação é que ainda se fica pelos 70%/80% desses tempos, mas há sinais de recuperação, diz Angie Wo, o filho dos proprietários, licenciado em Gestão e que faz a gestão do espaço. “As coisas estão a mexer um bocado mais, embora tenha abrandado um pouco com o aumento de casos de infeção, mas agora está a melhorar.” Tem dois irmãos, que estudaram e trabalham nas suas áreas.

Voltaram a ter o serviço de buffet, os adultos pagam 8,80 euros ao almoço e 10,80 euros ao jantar e fins de semana, que estava suspenso devido às restrições de prevenção da covid-19. Sempre tiveram serviço à carta. Os preços aumentaram. “Os custos estão a aumentar, os fornecedores chineses vendem mais caro, tivemos que nos adaptar”, justifica Angie. Sublinha que a pandemia os obrigou a renovarem-se.

Passaram a servir refeições através das plataformas de entrega (delivery), que ajudou um pouco nos períodos de grandes limitações, mas há dúvidas sobre se é uma área para manter. “Mexe com a cozinha, mas a margem de lucro é mínima, As empresas de delivery cobram 30% sobre o valor da refeição, não compensa. É melhor os clientes virem ao nosso espaço”, diz Angie Wo. Compensa mais o take away, mas é menos requisitado. Uma mudança que veio com a covid e é para manter é o encerramento à segunda-feira, que passou a ser o dia de descanso semanal.

DN