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Que riscos corre a Europa com o acordo EUA-China?

Que riscos corre a Europa com o acordo EUA-China?
Publicado em 27 Janeiro, 2020
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Se a ocorrência de um conflito comercial de larga escala entre os EUA e a China deixou de ser uma preocupação de curto prazo para a economia mundial, existe uma região do globo que, apesar de também poder ter vantagens nesta situação de maior estabilidade, se arrisca agora a ser trazido para a linha da frente de um novo grande conflito comercial: a União Europeia.

É verdade que também a Europa pode beneficiar com a trégua a que agora se assiste entre os EUA e China. Afinal de contas, entre as explicações mais vezes dadas para o abrandamento registado desde o final de 2018 na economia europeia sempre esteve o risco de uma escalada da guerra comercial entre os EUA e a China. Essa ameaça, com o acordo assinado na quarta-feira entre Washington e Pequim, parece ter ficado, pelo menos por agora, mais reduzido.

O problema para a Europa é que entre as potenciais consequências do acordo “fase um” assinado pelas autoridades norte-americanas e chinesas estão acontecimentos que podem prejudicar ainda mais directamente a economia europeia.

Um dos impactos mais directos está relacionado com a própria natureza do acordo comercial EUA-China. Para garantir a trégua, Pequim teve de se comprometer a reforçar durante os próximos dois anos as compras de bens e serviços norte-americanos em 200 mil milhões de dólares (179,6 mil milhões de euros ao câmbio actual). São 80 mil milhões de dólares de reforço das compras de produtos manufacturados, como aviões, automóveis e peças automóveis, máquinas agrícolas e equipamento de saúde; 50 mil milhões de compras de energia; 35 mil milhões de serviços; e 32 mil milhões de produtos agrícolas.

Ora, se a China vai comprar mais produtos provenientes dos EUA, isso significa necessariamente que irá passar a comprar menos do que podia a outros produtores. Para a Europa, que em 2018 exportou para a China produtos no valor de 210 mil milhões de euros (o que não chegou para evitar um défice comercial com a China de 185 mil milhões), esta é uma potencial perda de fonte de negócios, estando entre os sectores mais obviamente ameaçados a agricultura e o fabrico de aviões, por exemplo.

Os responsáveis da União Europeia (UE), aliás, não perderam tempo a manifestar as suas preocupações sobre esta matéria, colocando mesmo em causa a conformidade do acordo EUA-China com as regras em vigor na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Em Pequim, o embaixador da UE na China, Nicolas Chapuis, avisou que a União vai “monitorizar a implementação do acordo”, deixando desde logo claro que a opinião neste momento é que “as metas quantitativas [para as compras pela China de produtos norte-americanos] não são compatíveis com as regras da OMC se conduzirem a disrupções nas trocas comerciais”, isto é, se levarem a reduções não justificadas das compras a outros países.

Para já, os responsáveis chineses, tentando evitar que a seguir ao conflito com os EUA fiquem entre mãos com vários conflitos com outras economias, têm vindo a garantir aos outros países que as suas exportações para a China não serão afectadas, não dando contudo explicações concretas sobre como é que isso será possível.

O próximo conflito

Outra consequência possível – e ainda mais temida – para a Europa da trégua entre os EUA e a China é que a Casa Branca, depois da pacificação da relação a Ocidente, se vire para o outro lado do Atlântico para criar um novo grande conflito comercial.

Há muito, mesmo antes de assumir a presidência, que Donald Trump coloca a Europa, em particular a Alemanha, a par da China como as potências económicas mundiais que mantém uma relação comercial “injusta” com os Estados Unidos. O défice de quase 150 mil milhões de euros que os EUA registam com a UE e, em particular, o facto de a União Europeia exportar seis vezes mais automóveis para os EUA do que os EUA exportam para o bloco europeu são os números apresentados para justificar a suposta injustiça da relação comercial entre as duas regiões económicas.

E serve também para explicar por que é que, em diversas ocasiões, Donald Trump tem feito publicamente a ameaça de aumentar as taxas alfandegárias sobre as importações de automóveis, algo que teria um impacto muito significativo na economia europeia e, em particular, na alemã.

Em Novembro, uma visita à Casa Branca do então presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, amenizou o ambiente e retirou da agenda essa eventual subida de taxas, até porque do lado norte-americano, a preocupação estava focada no conflito com a China, que na altura afectava a economia e os mercados (com potenciais efeitos negativos nas hipóteses de reeleição de Donald Trump).

Mas agora, principalmente se na Casa Branca vingar a ideia de que um conflito comercial com a Europa é menos arriscado que um conflito com a China, os EUA podem decidir virar-se para o outro lado do Atlântico. Até porque há, neste momento, uma série de questões que podem conduzir, muito rapidamente, a uma deterioração da relação entre os dois blocos.

Actualmente, os EUA estão prestes a decidir se agravam as taxas alfandegárias sobre produtos europeus como aviões, vinhos e queijo, no valor de 7,5 mil milhões de dólares, como penalização à Europa pelos subsídios oferecidos à Airbus. E estão também a ameaçar especificamente a França, com taxas astronómicas em alguns dos seus produtos mais importantes, como retaliação à decisão de Paris de avançar para o imposto sobre as empresas digitais de grande dimensão como o Facebook ou a Google.

Em ambos os casos, os responsáveis europeus já prometeram retaliar proporcionalmente se os EUA decidirem agravar taxas. Nesse caso, uma escalada do conflito poderia ocorrer muito rapidamente. E a arma que os EUA utilizariam seria, provavelmente, a subida das taxas alfandegárias sobre os produtos automóveis.

A disponibilidade dos EUA para usarem essa arma é cada vez mais evidente. Na passada semana, o Washington Post noticiou que, como forma de pressão sobre as principais capitais europeias para que estas colocassem em causa o acordo nuclear com o Irão, a Casa Branca ameaçou subir as taxas sobre as importações automóveis.

Numa aparente tentativa de evitar uma deterioração rápida da situação, o novo comissário europeu para o Comércio, Phil Hogan, viajou até Washington para a sua primeira reunião com os responsáveis pela política económica da Casa Branca.

Aos jornalistas, no meio de algumas críticas à estratégia comercial de Trump, que classificou de “vistas curtas”, Hogan afirmou que o encontro foi “um bom início”, acrescentando no entanto que “há ainda muito a fazer”.

Fonte: Público