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Entrevista do Presidente da CCILC – Ponto Final

Entrevista do Presidente da CCILC – Ponto Final
Publicado em 27 Janeiro, 2020
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Assume que não é “politicamente correcto”, mas pensa que a China é alvo de discriminação por parte de certas organizações internacionais quando se analisa o comportamento da polícia em situações de conflito. Para a comparação chama à colação os casos da França e do Chile e a forma como as mesmas entidades falam diferentemente de cada um dos casos. Em entrevista ao PONTO FINAL, o gestor João Marques da Cruz, que vive entre Hong Kong, onde está sediado, Macau, Pequim, e Lisboa, diz que é impensável avançar agora para o sufrágio universal. Ter-se-á de esperar pelo menos uma década. Defende que a situação na cidade permanece tensa, mas mais calma depois da ocupação da Universidade Politécnica — que considera ter aumentado a animosidade da população em relação aos manifestantes — e das eleições, que decorreram com normalidade.

“Numa primeira fase, a actuação da polícia em Hong Kong foi de uma enorme contenção”

Assume que não é “politicamente correcto”, mas pensa que a China é alvo de discriminação por parte de certas organizações internacionais quando se analisa o comportamento da polícia em situações de conflito. Para a comparação chama à colação os casos da França e do Chile e a forma como as mesmas entidades falam diferentemente de cada um dos casos. Em entrevista ao PONTO FINAL, o gestor João Marques da Cruz, que vive entre Hong Kong, onde está sediado, Macau, Pequim, e Lisboa, diz que é impensável avançar agora para o sufrágio universal. Ter-se-á de esperar pelo menos uma década. Defende que a situação na cidade permanece tensa, mas mais calma depois da ocupação da Universidade Politécnica — que considera ter aumentado a animosidade da população em relação aos manifestantes — e das eleições, que decorreram com normalidade.

Texto: João Carlos Malta

Fotografia: Pedro André Santos

João Marques da Cruz nasceu em Lisboa há 59 anos. É o homem forte da administração da EDP, liderada por António Mexia, na ligação com os chineses da China Three Gorges. Está à frente da holding conjunta das duas empresas em Hong Kong — onde vive há quase quatro anos —, a Hydro Global, uma empresa que investe em barragens. Emprega 10 pessoas na vizinha do Rio das Pérolas, mas tem negócios no Peru, onde está a construir uma barragem, e que envolve a participação de mais de 200 pessoas. Este gestor formado na Universidade Técnica de Lisboa tem um vasto currículo em grandes empresas em Portugal. Da TAP à CP, passando pela Air Luxor. Entre 2005 e 2007, esteve na liderança do Instituto do Comércio Externo de Portugal, antes de chegar à EDP. É com a eléctrica portuguesa que o seu destino se cruza com o Oriente. A partir de 2008 passa a estar muito tempo na China, e é em Macau que assenta arraiais. Assumiu a presidência da CEM, lugar em que esteve até à venda da participação a um grupo francês. Mas actualmente ainda ocupa a vice-presidência da companhia de Macau. A partir de 2014, a maior parte do seu tempo é passado em Pequim, e a partir de 2016 muda-se para Hong Kong. Mas a vida passa sempre por fazer a quadratura do círculo, entre Lisboa, Hong Kong, Pequim e Macau, onde vem pelo menos uma vez por mês. Nesta entrevista ao PONTO FINAL, partilha a experiência vivida dos sete meses de confrontos em Hong Kong. Afirma que o cerco da Politécnica e as eleições distritais foram pontos de mudança que contribuíram como água para a fervura instalada. Elogia a acção da China, assim como critica a dificuldade com que, a nível local e nacional, se reagiu aos sinais de insatisfação que começaram a germinar há pelo menos seis anos. Marques da Cruz vê na falta de resposta à crise económica da sociedade a raiz de todos os males. Quanto a Macau, deixa um conselho: não se importe uma luta que não tem nada a ver com as gentes e a realidade da região.

Apesar da turbulência em Hong Kong se manter, dá a ideia que desde as eleições distritais o nível de violência e o nível de intensidade baixaram. A que é que se deve isso?

Sem dúvida que baixou, o ponto de retorno foram simultaneamente as eleições e a questão da ocupação da Universidade Politécnica, onde eu diria que os manifestantes passaram o limite. O que aconteceu lá foi gravíssimo. Tratou-se de uma ocupação violenta, e uma parte da população de Hong Kong cansou-se dessa violência contínua. Para mim, essa é a questão principal. Outro factor é o de ter havido eleições e de elas terem dado uma vitória por 56%. Os círculos uninominais é que depois fazem com que tenha havido uma vitória por 19 a 1. Anteriormente quando era 20-0, ao contrário, o grupo democrático tinha 40% dos votos. Nem na situação anterior todos votavam num sentido, nem na situação actual todos votam no outro sentido. Mas mantém-se um impasse de votos. Temos dois blocos que rondam os 50%, mas a eleição acabou por ser importante porque correu muito bem do ponto de vista de que não houve boicotes, nem violência, no dia de ir às urnas. Foi limpa. Isso contribui para a diminuição da violência.

O impasse mantém-se, e as posições parecem que não se estão a aproximar. Onde é que acha que esta corda vai partir?

Não tenho grande dúvida do desenlace final desta questão, Hong Kong é parte da China. Isso não mudará. E quem pensa o contrário, não conhece o Mundo.

Apesar de uma facção poder ser separatista, o grosso dos manifestantes nas ruas não pede a independência…

Não concordo totalmente. Nas manifestações aparece várias vezes a velha bandeira azul da colónia britânica de Hong Kong ao lado das bandeiras norte-americanas, quando isso acontece esses manifestantes estão a pôr em causa o estatuto de Hong Kong. Trata-se de uma região administrativa, mas não de um país, não uma entidade independente. Não é igual a Taiwan que, não sendo um país, é uma entidade que não obedece a Pequim. Hong Kong não será isso. Das cinco reivindicações, uma já foi aceite — a lei de extradição — e há uma outra em que acho que é possível uma negociação, que é a do inquérito à actuação da polícia.

Acha que isso é possível quando o Governo deixou a polícia a lidar com o problema nas ruas durante vários meses, sem assumir a negociação política?

Vou ser politicamente incorrecto — mas é o que genuinamente penso — numa primeira fase, a actuação da polícia em Hong Kong foi de uma enorme contenção, em termos internacionais. Porque o que se via eram manifestantes a agredirem polícias. Há cenas fantásticas de manifestantes a tirarem a arma ao polícia. Em qualquer país do Mundo, uma polícia armada teria ripostado com muito mais violência. É verdade que, numa segunda fase, e na altura do cerco (ao Politécnico) a actuação da polícia foi mudando. No início, os manifestantes faziam o que queriam e iam embora. No dia seguinte, iam para outro sítio fazerem o mesmo. Na Politécnica, a Polícia fez um cerco e não os deixou sair. Por isso, houve uma táctica policial mais agressiva. Neste período todo, não há ninguém que tenha sido morto directamente por acção da polícia. É verdade que houve um caso num parque de estacionamento perto da Universidade em que uma pessoa morreu. Nunca se percebeu muito bem como é que ele morreu. Quando pensamos no que aconteceu no Chile, onde já vai em 30 mortos…

Mas ao que é que atribui então as críticas de organizações internacionais para com a actuação da polícia local. Acha que é desinformação ou activismo político?

Penso que muitas dessas organizações não são independentes na análise. Vejamos o que aconteceu em França com os Coletes Amarelos, e a actuação da polícia. Não penso que haja uma diferença muito significativa. Se vir o coro de críticas, isso é muito significativo. Tentando ser muito justo e frio nestas observações, o grau de criticismo de organizações internacionais relativamente à China é muito significativo, e principalmente neste momento. A situação geopolítica actual dificulta a resolução do assunto Hong Kong porque faz extremar a crítica.

Mas insisto, o poder político em Hong Kong pode criar esse conselho independente de investigação ao trabalho policial, tendo a montante deixado a polícia sozinha a lidar com o problema?

Acho que é possível. Dentro das reivindicações que ainda estão em cima da mesa essa é a única possível. Um inquérito com a participação de personalidades internacionais, obviamente que não. Isso não acontecerá. Mas uma comissão com o Governo local, e com personalidades da sociedade de Hong Kong reconhecidas, acho que é possível. É evidente que tem de haver um caminho que preserve o essencial.

Os protestos duram há mais de sete meses. Para quem já lá vive há vários anos, o que é que mais mudou?

Várias coisas. Do ponto de vista económico, há vários restaurantes a fechar. Diminuiu o número de turistas, isso vê-se nas ruas e as estatísticas dizem o mesmo. Além disso, o que direi a seguir é mais difícil de percepcionar, mas acho que há uma tristeza grande na sociedade de Hong Kong. Era uma sociedade muito alegre e muito viva, muito vibrante, e é-o muito menos. As pessoas estão muito tristes, apreensivas, e quando se olha para o semblante delas estão muito carregados. As pessoas que votaram — numa eleição que foi muito participada — mostram que os votos são verdadeiros, são pessoas que mostraram descontentamento pela situação actual, onde a componente económica é muito relevante. A causa profunda na minha opinião do que está a acontecer em Hong Kong tem a ver com a componente económica, o problema da habitação.

Não compra então a tese de que o que se passa aí é um problema de identidade e de identificação com a China Continental?

A questão económica é muito importante e quando uma pessoa sente que vive bem, tudo o resto é visto de uma maneira diferente. Dizer que os jovens e a sociedade de Hong Kong estão totalmente alinhados com Pequim, isso não é verdade. Mas na minha opinião, a principal razão desse desalinhamento é económica. Se as coisas fossem diferentes, nomeadamente na habitação, acho que o panorama geral era diferente. E a questão económica é da responsabilidade do Governo de Hong Kong que não entendeu o que deveria fazer, usando a referência de Singapura. O peso da habitação social face à habitação de mercado em Singapura é muitíssimo superior. As pessoas que trabalham para a empresa a que presido têm salários simpáticos, mas se pensarmos no salário líquido após o custo da habitação, deixa de o ser. Passa a ser um vencimento difícil para o nível de vida de Hong Kong.

A clivagem cultural que vemos na juventude de Hong Kong, que se materializa na liberdade e liberdade de expressão, resolver-se-ia com melhores condições de vida?

A utilização da internet, por exemplo, não há nenhuma restrição em Hong Kong, nem em Macau.

Mas do outro lado da fronteira, e com o aproximar da passagem em 2047 para a governação chinesa…

Faltam 27 anos, isso é uma geração. Um pouco mais. Dizer que isto está a acontecer porque a sociedade sente que está a 27 anos do fim do regime especial, não acho que seja a causa. Sem dúvida que há uma insatisfação, dizer o contrário seria um erro, mas acho que essa tem uma origem económica. E isso exacerba tudo o resto. Temos que ver que o gérmen do problema não nasceu nos últimos sete meses. O movimento dos chapéus de chuva que eclodiu com a ocupação de Central já demonstrava insatisfação e não houve gestão política.

A China já reconheceu essa má gestão com a recente mudança de chefia na liderança do Gabinete de Ligação…

Concordo, porque qualquer Governo local e Gabinete de Ligação têm de sentir a sociedade, e havia sintomas. Não era normal que nas eleições para os órgãos distritais — não estas mas as anteriores — a oposição tivesse 40%. Antes era 20-0 ao contrário, mas o campo pró-democrata já tinha 40%. Havia um problema que não foi devidamente atacado, nem analisadas as raízes, porque essa população ao votar nesse sentido estava a manifestar uma mensagem.

É um gestor e um homem ligado às empresas, que impacto é que tudo isto está a ter na economia de Hong Kong? Quais são os sectores mais impactados?

O turismo. E as grandes lojas das grandes marcas internacionais, porque elas não vivem para a sociedade de Hong Kong, vivem para os turistas da ‘mainland’. E esse número de turistas é muito menor, e essas lojas estão a sentir imenso. Os hotéis são outro caso, tenho recentemente um familiar que passou por Hong Kong, ficou num hotel e os preços, que eram para o caro, têm promoções fantásticas de 80%. Há uma actividade que será terrível para Hong Kong se abandonar a cidade, o sector financeiro.

Já se sente o impacto nesse sector?

Na minha opinião sim, é evidente que é uma coisa que é mais difícil de percepcionar do que a actividade do turismo. Há muitos sinais de operações financeiras que estão a querer sair para outros locais.

Singapura…

Exactamente. É o candidato óbvio. Essa situação será real se persistir durante muito tempo este impasse. Há alguma urgência que se termine com este impasse. Era importante que houvesse um período sem que Hong Kong apareça nos telejornais internacionais. Porque se de forma sistemática não sair das notícias, o sector financeiro, que já tem pólos em vários sítios, deixa Hong Kong e passa para outro lado.

Há a ideia de que Shenzhen é vista pela China como uma cidade que pode ocupar o espaço de Hong Kong. Essa ideia faz sentido ou é disparatada?

No actual momento das regras dos mercados financeiros, isso não é possível. Para isso teria de haver um regime ainda mais especial em Shenzhen, por exemplo das transacções financeiras, da conversão de moeda, porque é necessário um local que não tenha restrições cambiais como tem Shenzhen.

Essa mudança não é possível?

É difícil no curtíssimo prazo.

Portanto, é do melhor interesse da China que as coisas se resolvam em Hong Kong?

Há 20 anos, Hong Kong era mesmo muito importante para a China economicamente. Hoje Hong Kong vale 2 a 3% do PIB da China.

Mas é o local pelo qual entra um terço do investimento directo estrangeiro…

Certo. Devemos então dividir este assunto em três partes: importância económica entre 2 a 3%, ou seja, é cada vez é menos importante; importância como local de passagem de transacções financeiras, é muito importante e não substituível por Shenzhen e Xangai; e depois a componente simbólica, em que Hong Kong representa para a China algo muito mais relevante do que 2 ou 3%. Simboliza o “Um País, Dois Sistemas”, que é algo que a China continua a dizer que preserva e que quer levar até ao fim.

Hong Kong é a prova de que a ideia de Deng Xiaoping de “Um país, dois sistemas” fracassou?

Todos sabemos que a ideia tinha um objectivo, e esse era Taiwan. Desse ponto de vista, não se concretizou. Hoje não estamos mais próximos da resolução desse problema do que no tempo de Deng Xiaoping. A sociedade de Taiwan está mais longe da China interior do que nesse tempo. E as últimas eleições corroboram o que estou a dizer. Portanto, dizer que falhou é verdade, já que o objectivo não foi alcançado. Mas o regime das Regiões Administrativas Especiais (RAE), no essencial aceitarem as regras sociais, como o acesso à Internet, diferentes da ‘mainland’, aí é um sucesso. Para a credibilidade internacional da China é importante continuar a respeitar isso.

Mas a ideia original, segundo é vastamente difundido, seria da China se aproximar do segundo sistema.  Isso está cada vez mais longe com Xi Jinping?  

Vamos dar um nome ao segundo sistema: democracia. Os valores de democracia no Mundo estavam bem mais vivos, e bem mais presentes, no tempo de Deng Xiaoping do que hoje. A democracia está em crise no Mundo. Os anos 80 e 90 foram tempos da Perestroika, do Glasnost, do Gorbatchov, do fim da União Soviética, e do trinfo ideológico dos valores democráticos que se espraiaram em todo o Mundo. Nessa altura, o segundo sistema parecia o sistema de futuro. O que aconteceu passadas essas décadas, é que essa frescura dos valores da democracia está em crise, e está-o também no Ocidente. A flor da democracia está mais murcha e é normal que, no equilíbrio dos dois sistemas, que a atractividade chinesa para o segundo sistema seja menor. Isso, portanto, é verdade, mas deve ser visto não só no contexto chinês, mas a nível global.

Há pouco, disse que acha que o sufrágio universal não é possível em Hong Kong. Porquê?

Não é, enquanto que retirar a lei de extradição ou criar uma comissão independente de inquérito são cedências que são possíveis, essa seria uma cedência fortíssima. Seria uma derrota de um lado, da ‘mainland’, e uma vitória total do campo democrático que não é possível. Haver algum consenso sim, haver uma derrota não é realista. Não há nenhum Governo que ceda no essencial a este tipo de pressão da rua. Se se alteram as coisas num momento de disputa perde-se a face, usando uma expressão bem chinesa. Neste momento, considero impossível. As regras vão-se manter. Fazer isso, seria alterar a lógica de funcionamento das RAE. Se me disser: é possível alterar as regras daqui a 10 anos? Isso é diferente.

Mas acha que os jovens na rua vão desistir?

Quando foi do “Occupy”, a eleição do Chefe do Governo aparecia como simbólica. Não é o momento. É precisa uma acalmia, não de meses, mas de anos, para que se fale em sufrágio universal. Uma normalização da sociedade de Hong Kong para que esse assunto possa estar em cima da mesa. Neste momento, seria uma cedência fantástica e não acredito que vá acontecer.

A tese explorada por Pequim é de que o que se passa em Hong Kong é resultado da acção de forças estrangeiras. Corrobora com a mesma ideia?

Dizer que isto é tudo forças estrangeiras, então como devemos interpretar os 54% de votos? Ainda por cima numas eleições muito participadas — as mais participadas para conselhos distritais desde que há as RAE. Acho que há um descontentamento real. Quanto à exploração internacional do tema, isso é óbvio. As críticas não são iguais quando comparamos com o que aconteceu em França e no Chile, por exemplo. Há organizações internacionais que querem pôr Hong Kong na agenda. Basta ver os ‘tweets’ do Presidente Trump, que chegou a referir explicitamente uma relação entre a situação de Hong Kong e o conflito aduaneiro com a China. Será que quando um manifestante grita em Hong Kong está a definir as taxas aduaneiras da soja americana?

Nas ruas e na sociedade parece haver um adensar da clivagem entre os hongkongers e os residentes de Hong Kong que são originários da ‘mainland’. Apercebe-se disso no dia-a-dia?

Sim, é verdade indiscutivelmente. Até em pequenos pormenores, quando pessoas da ‘mainland’ falam em mandarim, e há hongkongers que se recusam a perceber. Uma coisa é não perceber bem e pedir para repetir, outra é não tentar perceber. Na zona dos novos territórios há animosidade dos locais para com quem vem para comprar bens. Houve vários incidentes com esses visitantes/comerciantes que vêm comprar coisas a Hong Kong. Essa clivagem já existia, estava mais ou menos adormecida, mas vai perdurar. O essencial é que se consiga encontrar um ‘status quo’. Não há nenhuma sociedade que consiga viver em manifestações. No MTR, no início, eram muito rápidos a substituir os equipamentos vandalizados, que passado uma semana eram vandalizados outra vez. Agora, perto do meu escritório em Tsin Sha Tsui, na Nathan Road, as duas saídas principais do metro estão fechadas. E não se nota obra nenhuma. Em vários postos de passagem do cartão Octopus aparece um letreiro a dizer “fora de serviço devido a vandalismo”. Passaram da fase do arranjar o que era estragado para o assumir de que se está vandalizado, está vandalizado. Hong Kong tem de encontrar um equilíbrio, as manifestações não podem ser de três em três dias, e acabarem em violência e destruição.

Os empresários de Hong Kong, ao contrário do que aconteceu no “Umbrella Movement”, não quiseram ter uma posição política logo no início, mas isso acabou por acontecer mais tarde. Porque é que as coisas aconteceram agora desta forma?

Quando esta crise eclode estava muito desgastado, o Governo de Hong Kong já estava muito desgastado. Mesmo os grupos próximos de Pequim manifestam um distanciamento em relação ao Governo local. Carrie Lam é uma causa do problema. É alguém que, do ponto de vista político e social, até chegar a Chefe do Governo, é uma história muito interessante. Ela é cristã, não só do ponto de vista das convicções religiosas mas de uma prática social. Tinha todas as condições para ter sensibilidade nos assuntos sociais. Mas uma coisa é o currículo e outra a acção política. Ela não compreendeu e não ouviu a sociedade. Fechou-se muito e criou estas condições.

Olhando para Macau e para a recente visita do Presidente Xi Jinping e os elogios que põe ao nível de ter na ideia de “um país, dois sistemas” um qualificativo que diz “com características de Macau”, reforça a posição da cidade ou a diluição das suas características?

É uma oportunidade para Macau, que quando é devido à miséria alheia não é simpático. Mas sendo muito frio, Macau vivia muito à sombra do esplendor de Hong Kong. O empalidecer de Hong Kong é uma oportunidade para Macau. Para alguma afirmação de Macau como centro financeiro especializado. É verdade que, no curtíssimo prazo, o número de visitantes pode reduzir-se, porque havia pessoas que combinavam vindas a Macau e a Hong Kong. Macau deve corresponder a esta oportunidade, porque se não o fizer vai ser outro local qualquer, como Singapura.

Essa era uma das medidas que se dizia que o Presidente chinês trazia na mala. O facto de isso não ter acontecido, que leitura é que faz?

Temos de compreender que as características da China, quando o Presidente — e especialmente um com as características de Xi Jinping — faz um anúncio, é uma coisa que já foi pensada e aprovada internamente. Não é uma ideia para ser analisada. Ainda é cedo, é preciso ir mais fundo. Mas todos os sinais que vêm da China vão nesse sentido, de que Macau tenha um papel especialmente na lusofonia, mas também na intermediação financeira. Todos tentamos ler nas entrelinhas dos discursos e das mensagens, não estava à espera de nenhum enorme anúncio porque as coisas não estão nessa fase. Mas o caminho é esse e, no curto prazo, há notícias que vão ser favoráveis a Macau.

Quando se lê as declarações do presidente do Tribunal de Última Instância ao China Daily, em que este diz que os tribunais têm sido um garante da estabilidade da cidade, há quem veja, juntamente com a proibição de manifestações relacionadas com Hong Kong, sintomas de diluição do segundo sistema. Vê assim?

Não sinto na sociedade de Macau os mesmos sentimentos da sociedade de Hong Kong. Fazer uma réplica na sociedade de Macau dos problemas de Hong Kong é artificial, e é a pior ajuda que se pode dar às pessoas de Macau. O meu conselho é que não se importe artificialmente uma crise que tem raízes específicas de Hong Kong para Macau. Em Macau não se sente descontentamento, mas tem de haver respostas às necessidades da população. O sistema judicial de Macau é uma das partes importantes — das mais importantes, aliás — do acordo da RAE de Macau. É essencial que não haja mudanças, nomeadamente que a língua portuguesa seja relevante. Há algumas declarações de que não gostei. São desvios em relação às regras em vigor, mas também as menosprezava.

A China é hoje vista internacionalmente com uma grande potência económica, com possibilidades de fazer aquisições em todo o Mundo, como é aliás o caso da EDP, para a qual trabalha. Muitos temem que esse poderio financeiro traga acoplada uma vontade de hegemonia política, sendo que aí se levantam vários medos ao nível do respeito pelos direitos humanos. O dinheiro chinês não tem política por detrás? 

O dinheiro de todos os países tem a política por detrás. O chinês e o de todos os outros. Quando a Europa ajudou Portugal, também havia política por detrás. Fingir que não o tem, é errado. Mas se pensarmos na China em termos de política internacional, pense-se em qualquer conflito, a China felizmente — e espero que continue assim porque era um grande problema para o Mundo se fosse diferente — é de moderação. Isso é um facto indesmentível. Não é garantido que o seja para todo o sempre, mas há uma componente cultural. A China, nas partes que entende serem da sua soberania, não há moderação, há inflexibilidade. Penso que hoje em dia a posição chinesa é favorável às relações internacionais.

Fonte: Ponto Final